Como resistir, por meia dúzia de euros, à oportunidade de ver a sempre frágil Audrey Hepburn, a mais coquete das actrizes da velha Hollywood, tantas vezes boneca de luxo e princesa entre plebeus, num filme de John Huston filmado em áridas terras rodeadas de índios? Tendo ainda, como bónus, a própria Hepburn como indígena? A mesma que surgia sempre vestida com as últimas colecções, fatos elegantes desenhados pelos melhores estilistas e dona de uma pronúncia citadina e chique bem vincada, apanhada algures entre os bairros londrinos mais burgueses e a Quinta Avenida em Nova Iorque, onde cada palavra terminava como se fossem bolhas do melhor champagne a rebentar? Muitos talvez resistissem, eu não consegui e trouxe comigo The Unforgiven (O Passado Não Perdoa) para casa.
O filme é de 1960 e não pude deixar de me lembrar que no ano seguinte Huston estaria a filmar o magnífico, mágico e atribulado The Misfits (Os Inadaptados), e Hepburn ficaria para a história do cinema no filme de Blake Edwards Breakfast At Tiffany’s (por cá conhecido como Boneca de Luxo).
Não será obra do acaso que este The Unforgiven seja um filme praticamente esquecido na filmografia de John Huston e que, hoje em dia, ao falar-se deste nome, todos julguem estarmos a falar de um filme de Clint Eastwood. Este The Unforgiven parece um negativo do filme The Searchers - A Deasaparecida, que John Ford realizou quatro anos antes. Onde num são os brancos a roubar uma criança, no outro a situação é inversa. E até os resultados se encontram em campos opostos.
Com uma primeira hora narrativamente atabalhoada e dramaticamente cambaleante, parecendo bastas vezes perdido, sem direcção e arrastando-se para lado nenhum, o filme não ficou para a história nem merecia ficar. No entanto, há momentos verdadeiramente interessantes, como aquele em que à magia das flautas é colocado um piano em confronto. Tudo isto under a strange light. Nem noite, nem dia. Um limbo de tempo em que tudo é permitido. Naquela hora em que os anjos dão lugar aos demónios que se seguem. Para uma longa noite que todos, no entanto, sabemos de antemão como irá terminar. Tal e qual este filme, também ele um limbo. Também ele algo que não chega nunca a ser o que parece ou pretende ser. Também ele dividido entre abordar a questão da intolerância racial ou do incesto e nunca aprofundando nenhuma das hipóteses. Também ele feito num momento de transição, entre a banalidade do agora e a genialidade que viria a seguir.
2/5
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