20090305

la paura - roberto rossellini

Não é dos melhores filmes de Rossellini mas, ainda assim, La Paura – O Medo, tem nele duas cenas magistrais que, só por si, merecem o visionamento do filme. Quem ainda não o tenha visto e pretenda fazê-lo nos próximos tempos, será melhor não ler o texto que se segue.

Numa primeira cena, mais óbvia e com um subtexto facilmente entendido por todos, o professor Albert Wagner (Mathias Wieman), marido de Irene (Ingrid Bergman), repreende a filha de ambos por esta lhes ter mentido, ameaçando por isso castigá-la. Enquanto tudo isto acontece entre pai e filha, é no entanto para Irene que olhamos, por sabermos que também ela mente, mantendo uma relação extra-conjugal e sentindo por isso todas aquelas palavras como se estas lhe fossem dirigidas a ela. No fim, procurando perdão para si própria, mas parecendo fazê-lo pela filha, confronta o marido considerando o castigo desnecessário após a filha ter assumido que errou. A tensão para o restante filme fica estabelecida com a resposta do marido, que diz não existir perdão para quem só assuma uma mentira quando já não tem outra saída.

A segunda cena, no entanto, levantou-me algumas dúvidas aquando da primeira vez que vi o filme. Como cientista, o marido de Irene faz várias experiências com animais no seu laboratório. Num desses momentos, Irene visita o marido e assiste a uma dessas experiências, onde tudo lhe é contando com bastante pormenor. As sensações provocadas no animal, em cada uma das fases dessa experiência, assemelham-se a muitas das sensações que Irene diz sentir ao longo do filme e, só por isso, a cena já teria o seu valor. Mas, num segundo visionamento, detendo o espectador a informação que ao longo de todo o filme Irene é uma cobaia do seu próprio marido, toda a cena ganha uma força e profundidade ainda maior.

O que durante algum tempo me era difícil perceber era o motivo pelo qual Rossellini teria optado por não tirar o máximo partido dessa cena, colocando-a num momento do filme em que o espectador não sabe ainda desse papel de cobaia que Irene está a representar. Uma informação que faz toda a diferença na forma como o espectador sente e vê essa cena. A melhor explicação que encontrei para essa opção de Rossellini foi a de que, neste filme, não é apenas Irene a cobaia. Nós, os espectadores, acabamos, sem nos aperceber, por também sermos cobaias da experiência de um realizador que quase até ao fim nos esconde muito, quando nos parecia mostrar tudo.

3/5

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