20090306

palavras: dois


Nunca pudera prender-se definitivamente a um amor, a um prazer, nunca fora realmente infeliz; sempre lhe parecera estar algures, não ter ainda nascido completamente. Esperava. E durante esse tempo, devagar, sub-repticiamente, os anos tinham chegado, e tinham-no envolvido.
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Eu sabia que cada um tinha a sua vida, ignorava a existência da minha.
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Estou liquidado. Esvaziei-me, esterilizei-me para ser apenas uma espera. Agora estou vazio. Mas já não espero mais nada.
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Bocejei, li, fiz amor.
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Levei uma vida desdentada. Nunca mordi; esperava, guardava-me para mais tarde - e acabo de perceber que já não tenho dentes. Que fazer? Quebrar a concha? É fácil de dizer. E aliás o que me restaria? Uma pequena massa viscosa que se arrastaria na poeira deixando atrás de si uma esteira brilhante.
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É preciso ter coragem de fazer como toda a gente para não ser como ninguém.

in A Idade da Razão, de Jean-Paul Sartre

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